Escritor analisa violência dentro e fora de campo

Livro/O escritor Fabio Aires da Cunha lança “Torcidas no Futebol: Espetáculo ou Vandalismo?”, na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, que inicia no dia 9 de março. A obra é resultado de um trabalho acadêmico.

Isabel Cardoso

Do Alternativo

O escritor Fabio Aires da Cunha vai lançar na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, o livro “Torcidas no Futebol: Espetáculo ou Vandalismo?”, pela editora Scortecci.

Secretário Geral da ABTNN (Associação Brasileira dos Treinadores do Norte e Nordeste), o autor diz que o futebol, como qualquer outra modalidade esportiva, é fator de inclusão social e diz ainda que grande parte da violência no futebol é o reflexo da sociedade em que vivemos.

O livro é resultado de um trabalho acadêmico iniciado em 1995 e Fabio Cunha ressalta que não se pode esquecer os indivíduos que cometem atos de violência somente pelo prazer de cometê-los e uma das formas de combater a violência é um controle maior de policiamento nos estádios e fala ainda da importância do estatuto do torcedor como fator que pode reduzir a violência.

“A implementação de alguns itens pode diminuir a violência, pelo menos dentro dos estádios. Existe um parágrafo que diz que os nomes dos torcedores impedidos de entrar no estádio devem ser afixados nas entradas dos estádios”, explica.

Fabio Cunha é mestre em “Ciências do Movimento”, pela Universidade Guarulhos (UnG); tem ainda pós-graduação em “Metodologia da Aprendizagem e Treinamento do Futebol e Futsal”, pela Universidade Gama Filho (UGF); “Fisiologia do Esporte”, pela Universidade de Guarulhos, e bacharel em “Esporte com Habilitação em Técnicas Esportivas – Treinamento em Futebol”, pela Universidade de São Paulo.

Meio Norte – Considero o esporte como uma atividade de inclusão social, democrática. Qual o motivo por que a violência está presente?

Fabio Cunha – O futebol ou qualquer outra modalidade esportiva são fatores de inclusão social, mas a violência praticada pelos torcedores é um acontecimento que transcende o aspecto de inclusão social. Os motivos que levam um indivíduo ou um grupo de indivíduos a cometerem atos de vandalismo são variados.

A situação econômica e social do país poderia ser uma desculpa, mas países desenvolvidos e ricos também possuem os seus vândalos. No Brasil, existem dois problemas principais: Educação e Impunidade.

Se a Justiça conseguisse punir exemplarmente esses “torcedores”, o número de atos violentos diminuiria. Com a impunidade, o marginal fica mais corajoso.

Com relação à educação, com uma política educacional mais eficiente e consciente, com ações concretas, com a inserção dos jovens na sociedade e mercado de trabalho, também poderia diminuir a violência.

Mas não podemos esquecer dos indivíduos que cometem atos de violência somente pelo prazer de cometê-los. Esse é um aspecto que a psicologia tenta explicar, por que uma pessoa agride outra sem motivo aparente?

MN – Essa visão deturpada, que gera violência é somente da torcida?

FC – Não. Grande parte da violência no futebol é o reflexo da sociedade em que vivemos. Ocorre atualmente uma banalização da violência social, isso se reflete na ação dos torcedores, em sua maioria grupos de jovens sem expectativas e, até, da polícia.

MN – Como foi feito o processo de pesquisa da obra. Qual a metodologia, quanto tempo de clássicos assistidos?

FC – Essa obra é a conclusão de um trabalho acadêmico iniciado em 1995. Realizei minha monografia de conclusão do curso de graduação em Bacharelado em Esporte pela USP sobre esse assunto. O trabalho intitulado Violência das Torcidas Organizadas no Futebol recebeu inclusive um prêmio da faculdade como um dos melhores trabalhos de conclusão do curso. Nesses 10 anos que se passaram, o trabalho foi ampliado, melhorado e revisado para se tornar um livro. Para escrever esse livro, li muitos livros, revistas e artigos, assisti a incontáveis entrevistas e reportagens sobre a violência das torcidas.

MN – A violência fora dos campos não é particular de países do terceiro mundo. Na Inglaterra, havia parte da torcida que amedrontava os esquemas de segurança dos estádios. Essa violência é somente fruto da rivalidade entre equipes?

FC – Não. Os latinos são movidos pela paixão pelo clube. Querem a vitória do seu clube a qualquer custo, inclusive tendo os torcedores rivais como inimigos. A ideia é fazer pressão e intimidar os adversários. A violência praticamente se restringe aos jogos de seus clubes, são raras as brigas em jogos de sua seleção nacional.

Os europeus possuem outros motivos para cometer violência. As razões são políticas, religiosas e econômicas. Existe em muitos países um nacionalismo radical. Observam-se muitos conflitos em jogos entre seleções nacionais, surgem aí os hooligans ingleses, alemães e holandeses. Na Escócia, por exemplo, as duas torcidas dos principais clubes são rivais devido à diferença religiosa, Celtic (católicos) e Rangers (protestantes).

MN – Onde nasce a violência fora dos campos? Algo relacionado dentro de campo, onde já se presenciou algumas cenas de racismo e desrespeito entre jogadores?

FC – Com um controle maior da polícia dentro dos estádios, as torcidas começaram a se enfrentar cada vez mais longe, com isso podem atuar com mais liberdade. Jogadores violentos ou atitudes inconvenientes que esses atletas cometam podem influenciar o comportamento dos torcedores. Atitudes racistas ou xenofóbicas normalmente não envolvem a briga de torcidas, são agressões contra jogadores, com o intuito de desestabilizá-los emocionalmente.

MN – Até que ponto o estatuto do torcedor vem amenizar a violência nos esportes?

FC – O estatuto do torcedor tem alguns itens que versam sobre a segurança e controle dos torcedores. A implementação desses itens pode diminuir a violência, pelo menos dentro dos estádios.

Existe um parágrafo que diz que os nomes dos torcedores impedidos de entrar no estádio devem ser afixados nas entradas dos estádios.

O capítulo IV fala sobre a segurança dos torcedores. Coloca que o clube organizador do evento deve fornecer todas as medidas de segurança e controle: requisitar ao Poder Público competente agentes públicos de segurança; fornecer ambulâncias e atendimento médico para os torcedores; criar esquemas especiais para jogos de grande público; contratar seguro de acidentes pessoais aos torcedores com ingresso; colocar assentos numerados; facilitar o acesso dos torcedores ao estádio; implementar medidas de controle e vigilância dos torcedores e ser responsável pela segurança dentro do estádio e cercanias.

MN – Qual o fator determinante para formação de torcidas organizadas?

FC – A origem das torcidas é a mesma, incentivar e apoiar o time. Como não existe uma legislação específica para isso, qualquer grupo pode criar uma torcida. A criação de uma torcida é a maneira encontrada por jovens, em sua maioria, para obter força frente o seu clube.

MN – No Brasil, onde a violência fora dos campos é mais gritante?

FC – O mais preocupante é a premeditação dos atos de violência. Muitas torcidas preparam emboscadas para rivais e, até, combinam brigas. Esses atos, muitas vezes, são planejados com a intenção de matar ou provocar graves danos físicos e morais. Esse tipo de ação vem crescendo assustadoramente e começa a ficar fora de controle. Se medidas radicais não forem tomadas pela polícia e, principalmente, pela justiça, chegaremos a um nível insuportável e incontrolável.

MN – Em clássicos de torcidas altamente violentas, quando é mais perigoso, dentro ou fora do estádio?

FC – Fora do estádio. O problema da violência está cada vez mais longe dos estádios, as brigas quase acabaram dentro dos mesmos, foram transportadas para fora, para estações de metrô e trem, avenidas e estradas. Os estádios brasileiros, de um modo geral, estão mais seguros contra esses atos de vandalismo. Catástrofes dentro de estádios são raras e somente ocorrerão se os dirigentes superlotarem os mesmos.

.

.

Fonte:

Jornal Meionorte

http://www2.meionorte.com/jornalmn/alt_capa.htm