São Paulo, domingo, 27 de março de 2005 |
MEDICINA
Brasil vê aumento no número de lesões graves em crianças submetidas cada vez mais cedo a esforço competitivo
Mariana Lajolo
Da reportagem local
Os pais aplaudem cada vez mais empolgados da arquibancada. O técnico se anima com os resultados e vislumbra novos torneios. Ele sonha em ser um astro. Até que o frágil corpo lembra a todos que o atleta é apenas uma criança.
Submetidos a estímulos especializados e competitivos cada vez mais cedo, crianças e adolescentes têm respondido por cerca de 15% a 20% dos casos de contusões ligadas à prática esportiva.
O número é baseado na observação de profissionais que trabalham com medicina do esporte. Ainda não há estudos no Brasil que analisem o fenômeno de maneira profunda e conclusiva.
Mas, mesmo sem o respaldo acadêmico, o fato já preocupa. E muito, principalmente, porque têm aparecido em jovens um número cada vez maior de lesões graves, antes restritas aos adultos.
Casos como o de Flavio Carmona. O adolescente de 15 anos jogava futebol de campo todos os dias; futsal, treinava três vezes por semana. No meio do ano passado, em meio ao Paulista sub-15, começou a sentir dores, a perna formigava, até que não conseguia mais andar ou chutar a bola. O diagnóstico: hérnia de disco.
Flavio foi operado. E os médicos ainda divergem sobre se ele poderá ou não voltar à bola. Por enquanto, só natação e hidroginástica, que não provocam impacto.
Para os especialistas, o que mais sobrecarrega os atletas precoces é o excesso de competições. O calendário de categorias de base tende a ser recheado de eventos, com pouco descanso entre eles.
“A estrutura física da criança não está preparada. É preciso repensar os calendários e lembrar que o atleta de base precisa ser formado, e não virar um campeão”, diz Fabio Cunha, especialista em fisiologia do esporte.
O problema não é exclusivo do Brasil. Potências esportivas como EUA e Alemanha, por exemplo, também têm visto aumento cada vez maior de lesões desse tipo.
“Isso é tendência dos tempos. O atleta juvenil tem de estar sempre competindo para sobressair. O esporte para criança deixou de ser criativo para ser competitivo”, acredita o médico Moisés Cohen.
Segundo ele, que é chefe do centro de traumatologia do esporte da Unifesp, propor o fim das competições seria ir “contra a corrente”. Assim, defende uma maior racionalização dos calendários e exigências a que são submetidas crianças e adolescentes.
Além do excesso de uso de músculos e ossos, outra causa do fenômeno é a especialização precoce em determinada modalidade.
“A criança tem de praticar diferentes modalidades. É ruim para formar o campeão, mas é ótimo para a saúde e o desenvolvimento físico. Ela tem de correr, nadar, subir em árvore, dar cambalhota antes de treinar fundamentos de futebol, por exemplo”, afirma o médico Claudio Gil Araújo.
O crescimento do número de lesões infantis sensibilizou até quem trabalha diretamente com atividades de competição. De volta à Confederação Brasileira de Tênis após um ano, Rogério Teixeira da Silva já planeja um trabalho de prevenção a ser executado em jovens atletas que disputam torneios como o Banana Bowl.
O médico já havia feito estudo em 2002 em que colheu dados de 2.307 partidas de 13 eventos da CBT. Ele constatou que o índice de lesões em meninas de 18 anos é dez vezes maior do que na faixa de 12 a 14 anos. Entre os meninos, o índice é nove vezes maior.
“Isso acontece porque o atleta vai começando a ganhar jogos, treina mais, e as lesões vão aparecendo. Nos últimos três anos, têm crescido de uma forma absurda”.
Uma das atletas que já é acompanhada por ele é Julia Spina, 12. A atleta rompeu dois terços do manguito rotador (tendão do ombro), mesma lesão que levou o atacante Nalbert, 31, da seleção de vôlei, à mesa de cirurgia e quase o tirou dos Jogos de Atenas-2004.
A lesão coincidiu com o aumento da carga horária (de uma para duas horas) e o aprimoramento dos treinos, que mudou sua empunhadura. Ela ficou quase um ano parada, mas não precisou ser submetida a cirurgia. “Foi difícil. O que me ajudou foi que quebrei o braço e ele teve de ficar de repouso”, conta ela, resignada.
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Fonte:
Jornal Folha de São Paulo. 27 de março de 2005. Folha Esportes.