Por Fabio Aires da Cunha
INTRODUÇÃO
O futebol moderno deixou de ser uma simples manifestação cultural ou uma forma de divertimento. Ele deve ser encarado hoje como um produto comerciável, ou seja, um espetáculo. E como todo espetáculo, o futebol deve agradar o espectador. Para que isso ocorra, uma série de fatores, devem ser levados em consideração: campo de jogo; condições adequadas aos atletas para desempenhar bem sua função; habilidade dos jogadores; acomodações para o público; e outras tantas.
Com esse trabalho, procura-se dar uma contribuição para a melhoria do espetáculo no que se diz respeito ao treinamento das equipes. Esse estudo é apenas um início de um levantamento, não devendo colocar um ponto final no assunto. Tem o intuito de estimular outros pesquisadores a investigarem o assunto ou complementar alguns estudos já abordados no futebol profissional.
O trabalho foi realizado através da observação de partidas de futebol profissional, em sua maioria através de jogos televisionados. Segundo Marchesini (1996) quando a observação torna-se uma forma de coletar dados para a pesquisa, isto é, a partir do momento que essa observação atinge determinadas características, ela deixa de ser uma observação espontânea e passa a ser uma observação sistemática, para que se elabore então o conhecimento científico, daquele aspecto do real que se quer conhecer. A observação sistemática é seletiva, porque o pesquisador vai observar uma parte da realidade, natural ou social, a partir de sua proposta de trabalho. Este registro pode ser complementado com filmes. Os fatos a serem observados devem ser delimitados pêlo plano da pesquisa.
A situação observada nesse trabalho é natural, pois segundo Marchesini (1996), a situação é natural quando os registros são feitos sem que os observados percebam.
“… A observação não é pura, não é um fenômeno passivo, mas um processo ativo e seletivo, porque é precedida pelas hipóteses levantadas pelo pesquisador a partir de sua bagagem teórica, de seus interesses, objetivos e expectativas com relação à realidade que está sendo investigada” (Marconi e Lakatos in Marchesini, 1996, 73).
Este trabalho tem o propósito de responder o seguinte problema: Existe uma correlação entre o resultado de uma partida de futebol profissional e o número de passes errados efetuados pelas equipes?
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Este trabalho visa relacionar o número de passes errados com os resultados positivos e negativos de uma equipe profissional. Tenta-se provar que o menor número de passes errados é determinante para o resultado da partida e, se existe uma correlação das vitórias com o número de passes errados.
Não foram levadas em consideração partidas realizadas entre seleções nacionais, estaduais ou regionais e, nem partidas entre combinados, pois é clara a falta de treinamento adequado feito por essas equipes, o que poderia acarretar num maior número de passes errados. Jogos amistosos também não foram analisados.
Alguns aspectos foram considerados para se estabelecer o que é ou não um passe errado. Os critérios estabelecidos para exclusão do passe como errado, foram:
- Passes efetuados com as mãos (arremesso lateral);
- Passes originários de bolas paradas (escanteios, tiros de meta e cobranças de faltas);
- Bolas chutadas pela defesa com o claro objetivo de apenas afastar o perigo;
- Bolas divididas, tanto com os pés, quanto com a cabeça;
- Qualquer passe efetuado pelo goleiro (pelos pés ou mãos). Fica claro aqui, que o passe não é um fundamento amplamente trabalhado pelos goleiros;
- Passes nos quais os atletas não conseguem dominar a bola, por erro próprio;
- Bolas que logo após o passe são interceptadas (travadas) pela defesa, não confundir com bolas divididas;
- Quando o atleta não receber a bola, por falta recebida, falta cometida, escorregar ou estar em impedimento.
Foram analisadas partidas de diversos campeonatos entre clubes, sendo competições estaduais, regionais, nacionais e internacionais. Nas partidas analisadas, foi levado em consideração somente o tempo normal (com acréscimos) de jogo, não foram consideradas possíveis prorrogações para o tempo e o resultado e, disputa de penalidades máximas para o resultado final. Partidas realizadas em campo neutro também foram desconsideradas, pois não teríamos parâmetro para saber se o fator mando de campo influencia mais no resultado do que o número de passes errados.
Abaixo segue a relação dos torneios observados (entre parênteses o número de partidas analisadas em cada campeonato):
- Campeonato Argentino – Torneio Abertura 2001 (1);
- Campeonato Argentino – Torneio Clausura 2001 (2);
- Campeonato Brasileiro 2001 – série A (41);
- Campeonato Brasileiro 2001 – série B (5);
- Campeonato Carioca 2001 – 1a Divisão (5);
- Campeonato Espanhol 2000/2001 – 1ª divisão (3);
- Campeonato Espanhol 2001/2002 – 1ª divisão (10);
- Campeonato Francês 2001/2002 – 1ª divisão (4);
- Campeonato Inglês 2001/2002 – 1ª divisão (3);
- Campeonato Italiano 2000/2001 – série A (1);
- Campeonato Italiano 2001/2002 – série A (5);
- Campeonato Paulista 2001- 1ª divisão – série A-1 (21);
- Campeonato Paulista 2001- 1ª divisão – série A-2 (5);
- Campeonato Paulista 2001- 1ª divisão – série A-3 (7);
- Campeonato Paulista 2001- 2ª divisão – série B-1 (3);
- Campeonato Paulista 2001- 2ª divisão – série B-2 (4);
- Campeonato Paulista 2001- 2ª divisão – série B-3 (1);
- Copa da Itália 2000/2001 (1);
- Copa da UEFA 2001/2002 (6);
- Copa do Brasil 2001 (17);
- Copa do Rei da Espanha 2000/2001 (2);
- Copa do Rei da Espanha 2001/2002 (5);
- Copa Estado de São Paulo 2001 (9);
- Copa Mercosul 2001 (22);
- Liga dos Campeões da UEFA 2000/2001 (16);
- Liga dos Campeões da UEFA 2001/2002 (31);
- Taça Libertadores da América 2001 (7);
- Torneio Rio-São Paulo 2001 (3);
Através da
determinação dos aspectos considerados com passes errados ou não, a observação
das partidas foi realizada na sua maioria através de canais de televisão e
algumas no local da partida. O mesmo
pesquisador observou e analisou todas as partidas.
REFERENCIAL TEÓRICO
Passe – Conceitos e Características
“Ação de enviar a bola a um companheiro ou determinado setor do espaço de jogo” (Ferreira, 1994, 9).
De acordo com Ferreira (1994), o passe tem algumas características:
- Elemento de ligação entre componentes de uma equipe;
- O bom passe cobre mais rápido a distâncias, do que os deslocamentos;
- É um dos principais elementos do jogo;
- Existem várias formas de execução de um passe.
Uma das características fundamentais do futebol é o toque de bola com o pé. Aplicar o chute no lugar certo da bola e com a parte certa do pé é dar maior velocidade e precisão ao lance (Borsari, 1989).
Tipos de chute (Borsari, 1989):
- Peito do pé;
- Parte interna do pé;
- Parte interna anterior do pé;
- Parte externa anterior do pé;
- Ponta do pé;
- Calcanhar;
- Joelho.
O jogador ao fazer um passe deve cuidar da orientação, força, velocidade do vôo da bola (Golomazov e Shirva, 1996).
A eficácia dos passes depende em grande medida da velocidade da bola no momento da recepção (Golomazov e Shirva, 1996).
Segundo Hargreaves (1990) a segunda mais importante habilidade do futebol é o passe com sucesso. Bom passe é fundamental para a estratégia de qualquer time e envolve pelo menos dois jogadores – o que passe e o que recebe. Os jogadores de futebol devem desenvolver habilidades técnicas e mentais para realizar a tarefa com sucesso.
Segundo Asin (1969) o lançamento da bola com o pé se chama também toque de bola, de modo que podemos utilizar qualquer das duas denominações.
Não se trata somente de lançar a bola a maior distância possível, é necessário e primordial no futebol moderno colocar a bola com precisão (Asin, 1969).
Fatores que influenciam no toque de bola (Asin, 1969):
- Colocação do jogador ao lado da bola;
- Balanço da perna que irá golpeá-la;
- Aplicação de força com toda efetividade;
- Acompanhamento final da bola com o pé.
Tipos (Asin, 1969):
- Parte interior do pé;
- Parte interior dianteira do pé;
- Parte exterior dianteira do pé;
- Peito do pé;
- Bico do pé.
De acordo com Busch (1971) a credencial de um jogador consiste em saber dar jogo. Se ele não consegue realizar um passe perfeito, não se pode realizar uma boa jogada nem um bom jogo. Devemos saber passar a bola a um companheiro de equipe que está em melhor situação para concluir a jogada que se iniciou.
O passe perfeito é a base fundamental do jogo e a clara exposição de que se sabe jogar em equipe. No futebol o jogo em equipe é mais importante que as ações individuais, que em certas ocasiões só provoca a derrota de uma partida (Busch, 1971).
Segundo Zappa (1947) o passe é a ação mais comum e freqüente numa partida de futebol e o encanto mais apreciável do jogo.
Em teoria o passe tende a fazer a bola um monopólio de uma das equipes, a perfeição deste fator tático permitirá tocar a bola com os pés de um aos outros jogadores até o momento do chute no gol (Zappa, 1947).
O princípio básico é reter a bola o maior tempo possível, impossibilitando assim o adversário de tentar concluir uma ação tática ofensiva. Isto é metade da partida ganha. A outra metade é dar um sentido lógico aos passes com o bjetivo de envolver o adversário e deixar um atleta em condições de concluir ao gol (Zappa, 1947).
Existem dois tipos de passe. Os passes que evitam a ameaça de intervenção do adversário e os passes que procuram construir uma ação ofensiva (Zappa, 1947).
A partida será mais rápida e ágil se os passes de caráter ofensivo superarem os de caráter defensivo (Zappa, 1947).
Às vezes os jogadores se vêem em condições de realizar uma jogada individual, driblar o adversário. Os jogadores são mais velozes sem a bola do que com a mesma, portanto ações em que os passes objetivam atingir uma distância e os jogadores percorrem essas distâncias livremente, devem ser priorizadas (Zappa, 1947).
O jogador deve reter a bola o menos possível, o tempo suficiente para o companheiro se deslocar e receber o passe (Zappa, 1947).
De acordo com Winterbottom (1954) o passe pode ser feito com a cabeça ou com os pés, distâncias curtas ou longas, pelo solo ou pelo ar.
Os jogadores só podem esperar uma boa ação tática com uma boa exatidão nos passes. Portanto, o primeiro fator que se deve observar para criar ações conjuntas entre os jogadores é o passe (Winterbottom, 1954).
Se os jogadores conseguem passar a bola entre si sem oposição do adversário, encontrarão facilidade para chegar ao gol adversário (Winterbottom, 1954).
Luxbacher (1996) afirma que muitos casos de sucesso no futebol dependem das jogadas combinadas, ou seja, o trabalho em equipe. Para as equipes manterem a posse de bola e criarem chances de gol, elas devem possuir habilidade em passar e receber a bola.
Essas duas habilidades se completam, pois o atleta efetua um passe e o outro recebe esse passe. Deficiência nos passes e recepções, eventualmente resultam na perda da posse de bola e nas oportunidades de gol (Luxbacher, 1996).
Tipos (Luxbacher, 1996):
- Parte interna do pé;
- Parte externa do pé;
- Peito do pé;
- Parte interna dianteira do pé.
Observação
Quando a observação torna-se uma forma de coletar dados para a pesquisa, isto é, a partir do momento que essa observação atinge determinadas características, ela deixa de ser uma observação espontânea e passa a ser uma observação sistemática, para que se elabore então o conhecimento científico, daquele aspecto do real que se quer conhecer (Marchesini, 1996).
A observação sistemática é seletiva, porque o pesquisador vai observar uma parte da realidade, natural ou social, a partir de sua proposta de trabalho. Este registro pode ser complementado com filmes (Marchesini, 1996).
Os fatos a serem observados devem ser delimitados pelo plano da pesquisa (Marchesini, 1996).
A situação observada nesse trabalho é natural, pois segundo Marchesini (1996), a situação é natural quando os registros são feitos sem que os observados percebam.
“… A observação não é pura, não é um fenômeno passivo, mas um
processo ativo e seletivo, porque é precedida pelas hipóteses levantadas pelo
pesquisador a partir de sua bagagem teórica, de seus interesses, objetivos e
expectativas com relação à realidade que está sendo investigada” (Marconi e
Lakatos in Marchesini, 1996, 73).
RESULTADOS E ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foram observadas um total de 240 partidas durante o ano de 2001. Dessas partidas observadas, 192 tiveram um vencedor e 48 terminaram empatadas.
Desse total de partidas em que houve um vencedor, 3 partidas foram excluídas da análise estatística pelos seguintes motivos: na primeira, não foi analisado o tempo total; na segunda, a partida foi interrompida antes do final e, na terceira, devido à fortes chuvas o campo ficou impraticável, sendo impossível considerar como uma partida normal.
Para efeito do estudo, foram analisados 189 jogos. Partidas em que a equipe vencedora errou menos passes – 102; partidas em que a equipe vencedora errou mais passes – 80 e, partidas em que as duas equipes erraram a mesma quantidade de passes – 7 (Gráfico 1).
Gráfico 1
Considerando os números do gráfico 1, foi realizada a seguinte estatística:
- Partidas que o vencedor errou menos passes: 53,97%
- Partidas que o vencedor errou mais passes: 42,33%
- Partidas que as duas equipes erraram a mesma quantidade de passes: 3,70%
Levando em consideração o aspecto mando de campo, foram considerados 191 jogos. Somente foi excluída a partida que não chegou ao final. Dessas partidas analisadas, em 131 a equipe mandante venceu e, em 60 a equipe visitante venceu (Gráfico 2).
Gráfico 2
Considerando os números do gráfico 2, foi realizada a seguinte estatística:
- Partidas que o mandante venceu: 68,59%
- Partidas que o visitante venceu: 31,41%
Com relação à média de passes errados, constatou-se que as equipes que venceram, erraram em média 43,87 passes e as equipes que perderam, erraram em média 45,13 passes por partida (Gráfico 3).
Gráfico 3
CONCLUSÕES
Levando em consideração os resultados obtidos, podemos concluir que o número de passes errados não é significante para o resultado da partida, visto que a diferença entre as equipes que venceram errando menos e errando mais, não foi tão significativa (53,97% para 42,33%, diferença de 11,64%). O fator de tempo de posse bola é muito mais significante para o número de passes errados. E nem sempre no futebol, quem tem o maior tempo de posse de bola, vence a partida.
Com relação ao mando de campo, podemos constatar uma diferença significativa. As equipes mandantes venceram 68,59% das partidas e as visitantes venceram 31,41% das partidas. Uma diferença significativa, sendo essa diferença maior que o dobro.
Outro aspecto importante que demonstra que o número de passes errados não é determinante no resultado final da partida, é a média de passes errados das equipes que venceram e das equipes que perderam. Os vencedores erram em média 43,87 passes e os perdedores erram em média 45,13 passes. Uma diferença pouco significativa, de apenas 2,79%.
Pode-se constatar então, que o fator mando de
campo é importante no resultado final das partidas, já o número de passes
errados não é decisivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASIN, G. Futbol Infantil. Barcelona: Editorial Sintes, 1969.
BORSARI, J. R. Futebol de Campo. São Paulo: EPU, 1989.
BUSCH, W. Futbol Escolar y Juvenil. Tradução Mercedes de Monteys Kaupp. Barcelona: Editorial Hispano Europea, 1971.
FERREIRA, R. L. Futsal e a iniciação. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 1994. Cap. 4.
GOLOMAZOV, S.; SHIRVA, B. Futebol – treino da qualidade do movimento para atletas jovens. Adaptação Técnica e Científica Antonio Carlos Gomes e Marcelo Mantovani. São Paulo: FMU, 1996
HARGREAVES, A. Skills and Strategies for Coaching Soccer. Champaign: Leisure Press, 1990.
LUXBACHER, J. A. Soccer: Steps to Success. 2nd. ed. Champaign: Human Kinetics, 1996. Step 1.
MARCHESINI, E. M. Metodologia da Pesquisa – Abordagem teórico-prática. São Paulo: Papirus, 1996.
WINTERBOTTOM, W. Tecnica del Futbol (Soccer Coaching). Tradução Leonardo Rodriguez Vigil e Manuel Alonso Sanchez. Madrid:, Editorial Distribuidora, 1954.
ZAPPA, M. El Futbol: su tecnica – su espiritu. Tradução J. Ribes Albes. Revisão J. Terés. Barcelona: M. Arimany, 1947.