Por Fabio Aires da Cunha
RESUMO
Este estudo procurou caracterizar a capacidade motora flexibilidade, levantando a sua importância e utilização, assim como o seu treinamento para o futebol. Muitas divergências foram encontradas sobre a importância dessa capacidade. Com relação ao treinamento foi observado um consenso geral sobre os cuidados que devem ser tomadas ao ministrar um treinamento específico de flexibilidade para crianças e jovens, as características de desenvolvimento e maturação de cada faixa etária devem ser levadas em consideração na elaboração de um programa de treinamento.
INTRODUÇÃO
O crescente desenvolvimento da “ciência” do futebol proporciona a cada dia novos métodos e maneiras de treinamento físico, técnico, tático e psicológico. O condicionamento físico dos atletas é um dos aspectos que mais se desenvolveu na ciência do treinamento. Cada capacidade motora apresenta características próprias para seu aperfeiçoamento. Muito se discute sobre a importância da flexibilidade no futebol moderno. É sabido como afirma FRANKL (2003), que manter a amplitude de movimento previne ou alivia dores articulares com o envelhecimento.
Este estudo, porém, tenta solucionar algumas questões mais específicas como é o treinamento e a importância da flexibilidade no futebol. Será que essa capacidade motora é realmente importante para um jogador de futebol? Qual o nível de alongamento deve ter um atleta de futebol? Como deve ser treinada a flexibilidade? Pensando nestas questões, tentou-se levantar por meio de revisão da literatura, quais os aspectos que norteiam a capacidade motora de flexibilidade relacionada à prática do futebol.
CONCEITOS
Segundo FERREIRA (1995, p. 300) flexibilidade é “qualidade de flexível. Elasticidade, destreza, agilidade, flexão. Aptidão para variadas coisas ou aplicações”. É a capacidade humana de realizar um movimento com grande amplitude articular (ZACIORSKY, citado por BARBANTI, 1996). HARRE, citado por BARBANTI (1996) define a flexibilidade como a capacidade de realizar um movimento na maior extensão possível de sua articulação – a chamada amplitude pendular. WEINECK (1991) denomina flexibilidade como mobilidade. Conceitua essa capacidade física como “a capacidade e a característica do esportista conseguir executar movimentos com grande amplitude oscilatória sozinho ou sob a influência de forças externas, em uma ou mais articulações” (p. 221). Para FERREIRA (1995, p. 437), mobilidade é a “qualidade ou propriedade do que é móvel ou obedece às leis do movimento. Facilidade de mover-se…”. É um pré-requisito básico para uma execução qualitativa e quantitativa do movimento (HARRE, citado por WEINECK, 1991). De forma operacional, a flexibilidade pode ser definida como uma “qualidade motriz que depende da elasticidade muscular e da mobilidade articular, expressa pela máxima amplitude de movimentos necessária para a perfeita execução de qualquer atividade física eletiva, sem que ocorram lesões anátomo-patológicas” (ARAÚJO, citado por FARINATTI, 2000, p. 85). ALVAREZ DEL VILLAR, citado por MANSO, VALDIVIELSO e CABALLERO (1996); KOHAN (2003), definem como aquela capacidade que, com base na mobilidade articular, extensibilidade e elasticidade muscular, permite o máximo exigido nas articulações e posições diversas, permitindo ao sujeito realizar ações que necessitem de grande agilidade e destreza. Para SCHMID e ALEJO (2002); WILSON (2003), flexibilidade significa ter um bom alcance de movimento em determinada articulação. O componente da coordenação é muito importante para essa capacidade (WEINECK, 1991).
WEINECK (1991) divide essa capacidade em: geral e especial, e ativa e passiva. A flexibilidade passiva é sempre maior que a ativa. DANTAS e SOARES (2001) também dividem a flexibilidade em ativa e passiva. Para BARBANTI (1996, p. 83) os “exercícios ativos são aqueles que alcançam a maior amplitude articular possível pela atividade muscular, sem auxílio externo”, já os exercícios passivos atingem uma grande amplitude articular com auxílio externo, seja de um companheiro, um aparelho, ou ainda, o próprio peso corporal. Para GISBERT, citado por KOHAN (2003), a flexibilidade geral consiste na mobilidade de grandes grupos musculares e a específica sobre uma determinada articulação.
SCHMID e ALEJO (2002) dividem a flexibilidade em estática e balística. De acordo com BOSCO (1994); SCHMID e ALEJO (2002), a flexibilidade balística é o método que utiliza movimentos forçados para produzir estiramento do músculo. A flexibilidade estática, por sua vez, é uma forma passiva de exercício, na qual lentamente os músculos se estiram, procurando manter uma posição fixa. Para FRANKL (2003), flexibilidade estática é definida como o alcance de movimento sobre uma articulação e flexibilidade dinâmica é definido como a resistência de uma articulação sobre um movimento.
CARACTERÍSTICAS
Segundo GODIK e POPOV (1999) a flexibilidade é uma capacidade muito complexa. Para o desenvolvimento dessa capacidade é necessária uma série de exercícios especiais e auxiliares. A flexibilidade é muito específica, o indivíduo pode ser flexível para um movimento e não flexível para outro. A variação dos movimentos e exercícios é necessária para atingir diferentes exigências articulares.
A mobilidade articular e a elasticidade muscular são fatores determinantes da flexibilidade (GODIK; POPOV, 1999).
HOLLMANN e HETTINGER, citados por WEINECK (1991) afirmam que a flexibilidade é a única capacidade motora que atinge o seu valor máximo na infância e depois tem um decréscimo. Existe uma estabilização e até uma ligeira regressão da flexibilidade nos meninos por volta dos 17 anos (GALLAHUE; OZMUN, 2001).
Estudos de MÖLLER, OBERG & GILLQUIST; EKSTRAND & GILLQUIST; OBERG et al.; McHUGH, MAGNUSSON, GLEIM & NICHOLAS, citados por FARINATTI (2000), concluíram que não existe uma associação significativa entre a flexibilidade e a prática do futebol. Constatou-se ainda que na comparação entre atletas de futebol e um grupo controle, existiria um declínio progressivo da flexibilidade com a prática continuada da modalidade.
Por meio desses estudos, existe uma tendência em considerar que a prática do futebol reduz os índices de flexibilidade. Apesar de não ser um consenso geral, a prática continuada do futebol é associada a níveis mais baixos de mobilidade articular do que em populações não atléticas em diversas articulações (TRAVERS & EVANS; OBERG et al.; MANGINE, NOYES & MULLEN; GLEIM & McHUGH; ARAÚJO, citados por FARINATTI, 2000). Portanto, tudo indica não ser a flexibilidade um componente importante no futebol (FARINATTI, 2000).
Outro ponto muito discutido é com relação à importância da flexibilidade na prevenção de lesões durante a prática esportiva. Estudos realizados por EKSTRAND & GILLQUIST; WEBER & BAUMAN, citados por FARINATTI (2000), com jogadores de futebol, não encontraram relações estatisticamente significativas entre flexibilidade estática e lesões de todos os tipos. Segundo FARINATTI (2000) diversos estudos e revisões, não puderam estabelecer uma correlação entre a flexibilidade e a prevenção de lesões nos esportes. Os estudos são conflitantes, mas isso não quer dizer que não exista uma contribuição nesse sentido. É importante saber que as lesões esportivas decorrem de uma série de fatores. Já para ACHOUR JR. (1995); BOMPA (2002); SCHMID e ALEJO (2002); KOHAN (2003); SHELLOCK e PRENTICE, citados por WILSON (2003), o trabalho da flexibilidade auxilia na prevenção das lesões. FRANKL (2003) relata também, que uma grande amplitude de movimento, além de prevenir lesões, economiza energia.
Um estudo descrito por EKSTRAND et al., citados por WILSON (2003) constatou uma diminuição de 75% das lesões em equipes de futebol, com a implementação de um programa preventivo de treinamento, que incluía dez minutos de exercícios de flexibilidade em cada sessão de treinamento regular.
De acordo com DOMINGUES, citado por ACHOUR JR. (1995), jogadores de futebol com excessiva flexibilidade na região do tornozelo lesavam-se com freqüência, mais pelo excedente alongamento dos ligamentos do que pelos traumas da atividade. Estudos desenvolvidos na Suécia constataram que os atletas que apresentavam um nível regular de flexibilidade estavam menos propensos às lesões do que os atletas com excesso de flexibilidade. Isso pode ser explicado, pois os atletas de futebol necessitam de tendões, cartilagens e ligamentos estáveis capazes de suportar as altas sobrecargas sobre as articulações, que são exigidas durante a prática esportiva competitiva (WEINECK, 2000). PLATONOV, citado por KOHAN (2003); FRANKL (2003); WILSON (2003), afirmam que o excessivo desenvolvimento da flexibilidade (hipermobilidade) pode apresentar conseqüências negativas, como a desestabilização das articulações, proporcionando assim um alto risco de lesões.
A área que necessita de um maior alongamento no jogador de futebol, é a musculatura da coxa, tanto anterior como posterior (WEINECK, 2000). É muito comum observarmos lesões na parte posterior da coxa em atletas de futebol, devido a grande exigência que essa região recebe durante o movimento de corrida em velocidade ou a ação do chute.
“O alcance do movimento deve prover aos atletas condições de realizar a técnica com fluência sem necessidades compensatórias de outras capacidades físicas…” (ACHOUR JR., 1995, p. 17).
Segundo ACHOUR JR. (1995), a flexibilidade tem uma grande importância na prática esportiva. Uma amplitude de movimento reduzida é prejudicial, o alcance da técnica é satisfatório, mas o excesso de flexibilidade não implica em desempenho melhor. DANTAS e SOARES (2001), afirmam ainda que a flexibilidade, ao contrário das outras capacidades, não é melhor quanto maior. O máximo dessa capacidade nem sempre é o ideal, depende da modalidade esportiva.
Um dos grandes problemas para se determinar o nível ideal da flexibilidade, é que ela não pode ser medida de uma forma global, ou seja, não existe um teste que determine a capacidade geral da flexibilidade de um indivíduo (KOHAN, 2003).
A flexibilidade deve ser treinada sempre conjuntamente com a força (FRANKL, 2003; WILSON, 2003).
TREINAMENTO DA FLEXIBILIDADE
Deve-se observar com cuidado cada articulação, pois elas têm particularidades diferentes umas das outras. A flexibilidade geral tem o seu pico máximo de performance na infância e adolescência, mas o treinamento da flexibilidade para obtenção dessa qualidade geral deve ser visto de forma diferenciada (WEINECK, 1991).
Para GODIK e POPOV (1999) os exercícios de flexibilidade deveriam ser incluídos na parte preparatória de qualquer sessão de treinamento. O processo de elevação da flexibilidade é gradual, necessita de várias semanas de treinamento, deve ser utilizado desde o início da preparação (WEINECK, 2000).
O treinamento da flexibilidade deve ser constante, pois um período de inatividade fará com que a capacidade de alongamento volte aos valores iniciais (BARBANTI, 1996). Os exercícios, entretanto, devem ser realizados de forma específica e na posição correta.
Uma grande preocupação que os professores e preparadores físicos devem ter relaciona-se à idade do praticante. Não se pode fornecer a crianças e jovens a mesma carga e intensidade do treinamento que é fornecida aos adultos. Com o início da primeira fase puberal, ocorre um crescimento acentuado das crianças, devido a alterações hormonais (causado pela influência do hormônio de crescimento e do hormônio sexual); ocorre uma diminuição da capacidade de resistência mecânica do aparelho locomotor passivo (MORSCHER, citado por WEINECK, 1991). Esse crescimento acentuado da estatura, aliado à diminuição da resistência do aparelho locomotor, acarreta uma piora da flexibilidade; baseada no fato de que a capacidade de estiramento dos músculos e ligamentos não acompanha o crescimento acelerado (FREY, citado por WEINECK, 1991). O treinamento da flexibilidade nesse período é necessário, mas a escolha dos exercícios deve ser criteriosa em sua intensidade e abrangência, devido à baixa resistência mecânica do aparelho locomotor (WEINECK, 1991).
WEINECK (2000) preconiza que na infância e início da puberdade, deve-se evitar os exercícios de alongamento de forma passiva realizados com parceiros – a sobrecarga empregada pode lesionar as crianças e jovens. A coluna vertebral e a articulação do quadril são sensíveis nessa faixa etária (WEINECK, 1991). Durante o período da pré-puberdade deve-se desenvolver nos jovens a flexibilidade geral ou global e, após este período, iniciar um trabalho específico para a modalidade praticada (BOMPA, 2002).
No período do estirão de crescimento, a capacidade de suportar carga da cartilagem de crescimento do corpo vertebral diminui (MORSCHER, citado por WEINECK, 1991), portanto deveriam ser evitadas cargas excessivas de torção e curvamento, como hiperflexão e hiperextensão (WEINECK, 1991). Logo, o treinamento da flexibilidade na pubescência é imprescindível, mas o excesso de carga pode ser prejudicial (WEINECK, 1991).
Deve-se treinar na infância a flexibilidade por meio de jogos e de forma progressiva, utilizando os métodos e conteúdos semelhantes aos dos adultos (WEINECK, 2000). A flexibilidade deve fazer parte de todo o trabalho de treinamento, não só como fim em si mesma. Os exercícios de alongamento precisam ser realizados em grupos musculares que são solicitados em grande proporção no jogo. Os exercícios de alongamento têm especial importância no trabalho de compensação, pois o trabalho muscular pode ocasionar alterações degenerativas nos aparelhos motores passivo e ativo (WEINECK, 2000).
Para os adolescentes o treinamento de flexibilidade é semelhante ao dos adultos, pois nesse período a ossificação já está quase concluída (WEINECK, 1991).
O trabalho da flexibilidade está relacionado com o trabalho da força, pois quanto mais fortalecido estiver um grupo muscular, mais alongado e descontraído ele precisa estar após esse fortalecimento (WEINECK, 2000). Segundo ACHOUR JR. (1995), o trabalho da flexibilidade deve procurar um ponto de equilíbrio com a força.
Os exercícios de alongamento são importantes como medidas regenerativas no sentido de diminuição do tônus muscular e, com isso, recuperação acelerada após a competição ou treinamento (WEINECK, 2000; BOMPA, 2002). Os exercícios de flexibilidade estática são mais seguros e efetivos do que os de flexibilidade balística (SCHMID; ALEJO, 2002). O treinamento da flexibilidade no futebol deve ser de três formas: estático, dinâmico e facilitação proprioceptiva neuromuscular. Os movimentos balísticos devem ser executados com cautela, para não exceder os limites de extensibilidade dos tecidos envolvidos e conseqüentemente provocar lesões. Os treinamentos devem ser diários (FRANKL, 2003).
CONCLUSÕES
Portanto, observa-se que a importância do treinamento da flexibilidade no futebol é muito controversa. O futebol exige um nível de flexibilidade muito específico, nível este que apresenta grande dificuldade de determinação. Segundo ZACIORSKY, citado por BARBANTI (1996); MATWEJEW, citado por WEINECK (2000) a flexibilidade deve ser desenvolvida até o ponto necessário para a ideal utilização da técnica de movimento e das capacidades motoras da modalidade esportiva, e não no seu máximo.
Deve-se ter um cuidado especial com o treinamento da flexibilidade em crianças e jovens, visto as particularidades dessas faixas etárias descritas neste artigo.
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